Memórias de mim
Quando eu era pequenote, a infância (e mergulho fundo na minha infância, esse grande território de onde todos saímos com medalhas e mazelas), era um Mundo!
Um mundo só meu, onde entrava só quem eu quisesse.
“De onde eu sou?” – perguntava-me. “Sou da minha infância como se é do meu país...”, escrevia já Saint-Exupéry n’O Piloto de Guerra. Todos, realmente, comprovamos isto diariamente. O mundo interior povoado de imagens e recordações, muitas delas nebulosas, outras bem mais nítidas, que têm origem nos anos verdes da mocidade de cada um de nós.
Em muitas ocasiões, temos até de recuar a essas épocas da nossa vida para compreendermos algumas atitudes, hábitos, reacções, tendências, que fazem parte da nossa maneira de existir, da nossa forma de pensar, da nossa forma de sentir.
E aqui entram alguns dos meus heróis. Cada qual com o seu tempo e no seu espaço. Um tempo de Fúria e de Lassie, que ainda hoje sinto serem essas as referências que me fizeram gostar tanto de cães e de cavalos. Li quase todas as estórias de cow-boys e vesti-os na pele. Armei-me em Zorro e em Tarzan. Quis ser Robbin dos Bosques e almejava por beber a poção mágica do Astérix. Passeei em França sem sair de casa com Tin-Tin e conhecia tão bem o Brasil do Tio Patinhas que mais parecia ter lá vivido. Adorava os filmes do Bonanza, do Rim-Tim-Tim e ninguém me tirava da carpete enquanto o Mr. Ed, o cavalo que falava, não acabasse. Existia até uma maneira razoável de comer legumes: imitar o Popeye e de seguida demonstrar a minha força no primeiro puto da minha rua que encontrava.
Um pouco mais tarde, com escolaridade um pouco mais avançada, aventurei-me com D. Quixote e descobri a Lua com Verne, convivendo de perto com novas gentes e novos mundos. Soube de meninos pobres como eu - que Dickens me relatava - e onde Dostoievski também fazia parte dos meus planos. Amei. Amei livre e apaixonado, como só naquele tempo se podia amar, as donzelas de D.H. Lawrence. E, quase ao mesmo tempo, por volta dos doze, tornava-me Corsário. Destemido e acérrimo defensor de causas perdidas, que me fazia andar à espadeirada como se dos Três Mosqueteiros fizesse parte. Sem antes, ter todos os cromos daquele tempo, mas nunca me ter saído "a bola". O tempo do Benfica europeu, da guerra colonial, de Amália, da minha infância.
Tempos bons, esses do berlinde e do pião. Do arco e do carrinho de esferas. Das fisgas.
Agora sou o que sou, mais tudo aquilo por que passei. Em tempos idos dizia-se que “a Cultura era tudo o que resta depois de ter esquecido tudo o que se aprende”. Talvez fosse. Até ao momento em que apareceram os blogs. Estes desnaturados que me fazem engordar.
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