27.1.08



O paladar dos (dis)sabores

Um destes dias, ao entrar no vão da escada do prédio onde agora moro (mudei de casa) pressenti um aroma familiar nos primeiros degraus. Quase que posso dizer que estive muito perto do que perdi recentemente. Mesmo ali, ao estender da chave nova que trazia numa das mãos, e senti que as interligações com o imaginário podem fazer sentido.

O cheirinho que irmanava da refeição a confeccionar naquele rés-do-chão, era o dela. O modo e o trato com que se cozinham alimentos eram iguais, e pensei; “estás a passar-te!”
Mas não. Passei foi o resto dessa noite a tentar imaginar o que poderá ser o futuro que não tenho neste 1.º andar onde agora vivo . A pensar no que vai ser a vida de mais uma neta que vou ter. Nas melhoras da minha velha mãe. Nos filhos. Nos outros, a quem trato por amigos, e me vou cruzando esporadicamente por aqui.

Julgo ter aprendido saber que nada sei. E de certezas, ninguém pode afirmar que as tem todas. No entanto, ensinaram-me que determinadas coisas que acontecem na nossa própria vida fazem com que as sensibilidades se tornem mais apuradas. E continuo a lavar-me em mágoas que não consigo evitar, e que jorram do local que dá mais no sítio de onde se pode ver o mundo. Umas, límpidas e joviais pelo sucesso e alegrias de gente com que me acostumei a conviver (a lista, felizmente, era enorme). Outras, são de saudades que o caminho para a velhice molda este pensar. O andar de modo diferente, com os olhos cabisbaixos, à procura do que já não se encontra em qualquer esquina. Um filme que passa em quinze segundos sem intervalo e sem aquela publicidade que arrelia.

De qualquer modo, continuo a recusar-me sequer imaginar que o Livro da minha vida acaba aqui. Mas, por outro lado, sinto que não consigo libertar-me de tal castigo. Parece que criei raízes onde a terra já não dá nada para crescer. Que já não oiço o que o meu Mar murmura, e que as rosas que apanhava para oferecer daquele jardim, sumiram. Ou até aquela Lua que tão bem conheço, se cansou de aparecer à janela onde dormia.

Talvez seja do quarto novo. Ou da coberta onde me enrosco de noites sem ninguém.
Pode ser até das coisas novas a que não estou acostumado. Talvez seja do paladar dos dissabores…