29.3.06



Lá como cá...

Por muito que maçador se torne falar do Benfica, ontem, no jogo com o Barcelona verifiquei muitas semelhanças entre o Glorioso e Portugal. A sério.
Lá, como cá, também se vive do passado. Do sonho. Da enganosa fantasia.
Cá, como lá, faltam os malabaristas. Os artistas. Poetas de bem-dizer e melhor fazer.

Por muito que me repita, lá como cá, só a garra não chega. Faltam complementos importantes que façam a diferença. Faltam os sorrisos largos de quem fizer um filho fá-lo por gosto. Faltam botas 45, uma camisa número dez, o capitão que nos envolva ao desafio e 3333333 medidas.

Ter o estádio cheio e o país ao rubro é pouco.
Lá como cá, os efémeros minutos da fama não chegam. Ir mais além do que se propõe seria a meta. Funcionar em bloco era o ideal. Criar a nota tilintante com que se compram os melões faria com que se viabilizassem ideias. Mas isso dá trabalho e faz levantar cedo.

Por muito que acredite que alguma coisa possa melhorar e que a inércia se aniquile, as diferenças da qualidade existem. Lá como cá, são assustadoras as desigualdades, as fragilidades, os nervos à flor da pele que impedem a progressão no terreno e a competitividade criativa. Não basta ter a tecnologia de ponta à mão. É necessário saber geri-la. Aproveitá-la como mais-valia.

Por isso se diz neste pequeno e grande mundo que é Portugal, que quando o Benfica espirra o país fica constipado.
Lá como cá!

27.3.06



Dia Mundial do Teatro

Tal como todos os dias internacionais, o do teatro também é para celebrar, claro.
E fugindo um pouco de Gil Vicente, um extraordinário site disponibilizado (entre outros) por João Vidal de Sousa, este assinalável evento não pode morrer de pé como as árvores, como dizia Palmira Bastos, essa grande Senhora do Teatro português. Temos que lhe dar ânimo, já que de vida anda pelas salas d’amargura.

Sou um português que nunca foi muito de fazer teatro mas sempre gostei de boas peças. Estou a lembrar-me de Fátima Felgueiras… perdão, da Mãe Coragem de Berltolt Brecht (Lisboa, 1975), quer interpretada por Gisela May (em Nova Yorque) ou Eunice Muñoz que tive o privilégio de conhecer em fim de carreira, no Teatro Villaret.
Como se percebe, também não frequentei muitos palcos. Eram mais tapumes, pisos duros e, de vez em quando, as escadas rolantes do Parque Eduardo VII.
Quanto a actores, estou recordado de Lawrence Olivier em Hamlet (Viena, 1966), Orson Wells em Citizen Kane (Budapest, 1941), e Luís Guilherme na Reunião Misteriosa (Porto, 2006).

Quanto ao glossário apavora-me os termos, sou franco. Coxia, por exemplo, tira-me o apetite. Já para não falar do Fosso de Orquestra ou Didascal, que me dá uma ligeira sensação de hérnia sedentária à boca de cena mesmo sendo na direita baixa.
O que gosto mesmo é dos dramaturgos. Esses sim. Vivem a peça, os diálogos, fazem todos os personagens. Já a encenação tem a sua farsa. Veja-se o happening dos espectadores de futebol na intertextualidade dos seus ícones.

Para terminar este quiproquo, de maneira alguma se pretende satirizar o solilóquio. Trata-se apenas de um texto cénico onde o imprescindível ponto faltou ao ensaio. Mas acho que fiz o meu papel.

24.3.06



Prestes a passar três anos sobre a descoberta dos blogs, sinto que muita coisa mudou na minha vida.
Neste espaço virtual choveram descobertas magníficas e mil outras coisas interessantes.
Encontrei poemas e prosas que gostaria de ter escrito. Histórias que gostaria de ter contado. Ideias que gostaria de ter tido. Pessoas. Muitas pessoas que podiam fazer parte da família, do núcleo duro das preferências, da roda tertuliana e humanitária onde, se se quiser, encontramos diariamente por esse vasto mundo da blogosfera.

E essa descoberta trouxe-me mais-valias em todos os sentidos. Bastaria partilhar as sensações destes quase três anos para descrever o que ganhei: Amigos. Muitos amigos. E também muita cultura, sabedoria. Bocadinhos únicos que não têm preço.

Sei que não é fácil ser blogger, scripter de dias pardos e longínquos. Não é fácil impor um estilo, um ritmo, um sentido único, uma actualização diária na escrita e nas palavras. Menos fácil será acompanhar duma assentada tudo e todos. Quase impossível saber o que acontece in locco nesta passarelle de testemunhar motivos.

Mas que vale a pena, lá isso vale.

Que seja um bom fim-de-semana!

23.3.06



Realidades da Vida

Quem acompanha mais de perto este cantinho meio escondido sabe muito bem que o dia vinte e três tem um significado especial: é o dia de me sentir gato vadio acarinhado. Um lobo a quem dão um dia calmo, um pardal de telhado endiabrado que saltita mesmo que chova. Um carneiro tresmalhado. Um cavalo à solta.

Tomara que os desgraçados que a vida despreza, se tornassem num dia vinte e três. Fossem todos eles abençoados por um deus que não existe e pudessem compartilhar a vida nova que me calhou.


Sempre soube que nem tudo é pão e milagre das rosas, onde é a própria vida que o ensina em cada despertar antecipado.
Devo pouco a muita gente, devo muito a toda a gente, mas devo tudo a quem cá sei.

Com dedicatória:

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21.3.06



Dia Mundial da Poesia

Sendo Portugal poeta, somos um país profeta que não rima. Impedem-nos os sulcos das terras lavradas, as casas mal acabadas e senhoras mal afamadas.
Desapareceram as armas e os barões assinalados, os barcos no outro alentejo naufragados em troca de tipos mal encarados.
Ficámos um país que não grita nem labuta, um país que virou a cara à luta e que enaltece os filhos da puta.
Sendo Portugal poeta, fadista e profeta, é figura de campónio que da vida faz gemer uma guitarra e um harmónio.
Por isso continua em fila de espera e de agasalho.
Que apenas consegue rimar com primavera e a vontade de mandar tudo p'ró...

Oiçamos um comum amigo:


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15.3.06

Mudar de vida

Quando por motivos incontroláveis se alteram hábitos e horários, levam-nos a repetir a frase esbatida de que se está a mudar de vida. Uma ciganice pura, ou um acto nómada se lhe quiser chamar assim.
Ora eu, bastante familiarizado com estas coisas, pareço quase um saltimbanco. Um artista de circo sem rei nem roque.
Na minha idade (isto de referir sempre a idade como desculpa será sinal de velhice prematura?) já não é normal. Quanto muito, umas adaptações profissionais e sociais fariam sentido. Agora andar com a casa às costas de tempos a tempos parece-me obra dum destino traçado que nunca foi muito meu amigo.
Mas a procura do encaixe duns tostanitos a mais faz sempre jeito. E se existem coisas na vida que muito prezo, uma delas é mudar de vida. Porque nunca me sinto completamente satisfeito com a que levo.

Por vezes interrogo-me: porque será?

11.3.06

Quadrúpedes




“Identificaram aquilo que parece ser uma alteração genética que impede três raparigas e dois rapazes, com idades entre 18 e 24 anos, de caminhar erectos.”




Lendo e relendo a notícia, acabrunho-me.
Ouvindo e repetindo Fernando Alves, vergo-me ao peso dum possível retrocesso humano: a evolução de voltar às três etapas; de caminhar sobre as duas mãos e os dois pés os trilhos dos primatas desaparecidos setenta milhões de anos atrás.

Como René-François-Auguste Rodin, o homem do nariz quebrado, também me espanta que da inadaptação à marcha erecta possa também fazer um retrato deste labirinto a que chamam de sociedade.

Mas não faço!
Porque pertenço à única raça que tolera os inadaptados.

4.3.06



Porque hoje é sábado...

há um relógio que toca aqui ao lado e não é meu.

O emitido som pertence ao quotidiano onde sobram sombras; claridades apagadas dum fugaz descanso. Sobrevivências que resistem a mais uma semana dura de trabalho. No entanto, esse despertar acorda as ideias adormecidas em lençóis brancos de linho onde as certezas, que são algumas, se esfumam no debruçar sobre as notícias matinais.

Como hoje é sábado…
recordo ser o dia das limpezas grandes ao cantinho onde o encanto e cumplicidade pernoitam juntos. Dia de arrumar ideias velhas e descobrir outras mais novas que nos façam esquecer as esperanças falsas. Aquelas temporalidades esperançadas onde muita da nossa juventude está depositada e que faz tempo.

E porque hoje é sábado…
apetece abrir as persianas, usar roupa informal e ir ao Mar apanhar conchas. Trazer de lá as ondas de energias ocultadas e fotografias dos desenhos que deixámos no areal. Naquela areia fina que a próxima onda apagará esse registo.

Mas porque hoje é sábado…não vou ter tempo.
Talvez no próximo descubra a hora exacta de me deixar arrebatar por utopias e demais leviandades. Das tais que é proibido assim dizer ou revelar. Talvez na ideia de que o dito se possa eternizar no imortal Vinicius.
Ou em tantos outros que fazem do sábado o seu próprio dia.