19.3.12

O meu pai era um gajo porreiro


Era um alentejano que se viu grego para fazer face à vida difícil que se vivia para os lados de Odemira, e se fez à estrada, rumo à capital, na procura de uma vida melhor e digna quando tinha 17 anos, que nem sequer no Seixal parou onde a maior parte que partiu com ele se fixou.




Teve azar no ano em que nasceu; crescia o descontentamento em Lisboa de políticas muito parecidas como as de agora. Preparava-se já o 28 de Maio, e as convulsões ferviam nas ruas chiques de Lisboa. No Alentejo grassava a fome e o desemprego. Não havia contraceptivos, nem empresas de trabalho temporário, e muito menos a atenção dos senhores das terras para um povo esquecido e sofredor. Eram as famílias numerosas sem ajuda de qualquer espécie.
Pão e azeitonas seria o verbo.
A cafeteira do “caféi” ao lume… era a esperança de dias melhores.

E porque é que o meu pai era um gajo porreiro?
Porque partiu com a trouxa – pequena e parca – ao encontro do desconhecido e das modas. Das senhoras finas que nunca sonhara ver, e que se vestiam de proveito com modelos copiados de Paris ou de Viena. Era apenas mais um que se fazia à vida. De cara lavada e limpa. Sem medo. Como fez Gil Eanes na dobragem do Cabo das Tormentas.

“Pior não pode ser!” - imagino agora o que lhe poderia ir no pensamento. E lançou-se ao desafio. Tropeçou com Salazar e com muitas Primaveras. Caiu e levantou-se. Apanhou a II Guerra mundial, a racionalização, a crise da Europa destruída e sobreviveu. Sempre honesto e pobre a colocar nos pés dos lisboetas um andar melhor e confortável em vãos de escada. Fazia biscates no descanso semanal para me poder dar o que o pai dele – o meu avô – nunca conseguiu, infelizmente.

Ele será sempre um dos heróis nas minhas recordações até quando a memória assim mo permitir. Não por ser, apenas e só, um gajo porreiro que foi em tempos idos um puto a que não deram a mais pequena chance, mas porque era o MEU pai!