14.12.08


O sapatinho dos outros

Pelo segundo ano consecutivo ainda não consigo ter Natal.
Mas pior do que não ter Natal, é este sufoco que não me larga. São as muitas recordações que não dispenso. É toda uma panóplia de incertezas que até a própria crise se encarrega de me lembrar.

A própria visão que tenho do mundo, anda agora distorcida. As outrora luzinhas de Natal já não piscam. O olhar espelhado em cores garridas já não convence e, muito provavelmente, não serei a companhia ideal para acompanhar a Noite de Natal à mesa da família.

Resta-me dar a volta à coisa, e minorar os efeitos desta angústia que me invade.
Por isso, sou muito bem capaz de ir deixar no sapatinho dos outros uma palavra de amigo. O gesto que me habituei a ter com todas estas virtualidades dos blogs. Aquela presença que a muitos sempre dispensei com total agrado, retribuindo todas as palavras de estímulo e de esperança que tiveram a gentileza de me enviar.

Talvez seja a melhor forma de poder ultrapassar este luto que se arrasta: verificar por quantas cores se multiplicam os sapatinhos na chaminé de cada um.

15.9.08

Blogagem Colectiva para Flávia em 9/Set/2008

Justiça para Flavia



Uma onda de solidariedade corre, hoje, todo o oceano Atlântico. E eu, comprometido com tudo o que sejam causas nobres, não podia deixar de levar-me por essas águas revoltas que beijam a outra margem do Mar.
Para quem não sabe da história, a Flavia é uma menina brasileira que aos dez anos de idade teve um acidente numa piscina devido, segundo consta dos autos do processo em que a Odele se tem empenhado, os seus cabelos serem puxados pela sucção de um ralo deficiente. Ficou com mazelas irreversíveis e, passados dez anos, continua em coma sem que a Justiça brasileira tenha aferido os pratos da balança.

Esta podia muito bem ser uma das nossas estórias neste Portugal pequenino. E temos tantas…. No entanto, ao juntar-me a esta magnífica e simbólica rede de amigos, não pretendo referir-me à lentidão da Justiça – porque todos já nós sabemos que ela existe de facto, ou tão pouco às indemnizações irrisórias que os responsabilizados pelo acidente foram condenados a pagar, mas para o qual a Odele já recorreu.

Aos milhares e milhares de quilómetros que nos separam, ninguém imagina a estima e admiração que tenho pelas duas. A Odele, a mãe, nunca se deixou abater, mesmo que se calcule quanta dor e sacrifício já passou. A Flavia, essa filha incrível de olhos lindos, quase imóvel durante uma década, também não desiste de lutar porque, algures no cérebro dela, ainda existe um restinho de esperança de voltar a ver a Mãe, a família, os amigos, o Mundo.
Ao contrário de mim, para quem sabe do meu degredo, elas são duas Mulheres sem preço. Duas Mulheres sem medo. Dois seres humanos de excelência. Tomara ter eu a metade da vontade de ir em frente como elas têm.

Como tal, se da força que possuem conseguisse ultrapassar os meus próprios dilemas, poderia simplesmente desejar que os objectivos a que a Odele se propõe fossem consagrados. Por isso, e são do coração estas palavras, se houvesse porventura alguma possibilidade através de todas estas novas tecnologias da Ciência, era de bom grado que trocava de lugar com a Flavia.
Era a mínima Justiça que da minha parte podia repor. Rapidamente e desassombrado.

22.5.08




Desculpem


Sinto-me em baixo, e não vejo forma de me animar. Por consequência, ando um pouco “bicho-do-mato” e tenho descurado as pessoas amigas. Não levem a mal. São coisas minhas sem a leviandade que isso possa fazer supor.

Recuso-me a arrastar para o meu recato quem quer que seja. Mais a mais, enfrentando o paradoxo de querer saber de todos e não ter a coragem de o fazer. Tipo monge budista que se enclaustra, até que passe a estranha sensação de que tenho os dias contados. O futuro rasgado. O presente em maré de pouca sorte.

Nada prometo para não falhar. De qualquer forma, quero deixar claro que, em todos os “sinais” que tenho de todos, e em que cada uma das amizades desta brincadeira dos blogs se encaixa, o meu pensamento vai direitinho a elas. Sejam do Porto, de Guimarães, de Vila Franca, do Barreiro, S. Domindos de Rana, da Avenida de Roma, ou de todas as Margens Sul onde (ainda) é bom sonhar. Inclusive, naquele Recife de onde se pode ver as Princesas que nunca nos cansam.

Quando passar, talvez a gente se veja por aí.

17.4.08

Amargos de véspera

O 18 d’Abril sempre foi um dia especial para alguns da família que me resta (os meus netos - Thita e Lourenço - mais o meu irmão. Fazemos anos no mesmo dia.). E quando se acasala os 54 anos da minha existência com os últimos dígitos da década em que nasci, é de fazer contas à vida.
Como sucede a qualquer um, perde-se e ganha-se. Tem-se sucessos e fracassos. Lida-se diariamente com a sorte e o azar (por muito que digam que isso não existe), e fazemos tudo o que possa estar ao nosso alcance para que a coisa resulte em favor de todos quantos amamos e gostamos.

Mas quando em menos de três tempos se perde duas das Mulheres que marcam a nossa vida e muitos aniversários, as contas saem furadas e não é motivo para andar aos pinotes. No entanto, sobram vários outros motivos que as pequenas tragédias singulares também afectam: os Amigos!

É para eles todos que tenho que ter uma palavra de carinho. Um abraço apertado. Um “despir” da capa com que sempre andei; a de me fazer capaz de ultrapassar os momentos mais delicados que pode acontecer a muitos de nós, e que traduzimos em forma de escrita o que nos vai no pensamento. Eu, de momento, já não consigo. Mas de qualquer forma – e eu sei quem são - sempre que precisarem de mim responderei PRESENTE!

Mesmo que seja no som do meu silêncio.

5.2.08



Mãe,
quando me deste ao mundo ainda não existia Internet ou blogs e nunca poderias supor, ou imaginar, o futuro que me estava reservado. E eu, que desde pequenino me aventurei a lidar com todas as adversidades do meu e do teu tempo, vejo-me aflito para explicar este teu abandono temporário aos sete netos que, como filho, te dei a conhecer.

Sabes que com palavras sou um fracasso. Sou mais daquele olhar com que se consegue introduzir uma atenção. Um mimo. Um chuchar na teta que me amamentou durante largos meses. Ou um retrato com que se fica de quem sempre nos ensinou a melhorar a sorte que nos calhou. E hoje, consigo colocar-te na posteridade com todas estas tecnologias que por vezes nos confortam com amizades que não vemos, mas sabemos que estão cá.

Já tinha perdido o Pai.
Perdi o calor da cama onde dormia.
Agora perdi-te a ti.

Que mais me irá acontecer?, é o que apetece perguntar.

Provavelmente, serei eu a seguir. Mas juro que não quero levar ninguém atrás.
Irei sozinho um destes dias ter contigo.

Descansa em paz, Mãe!

2.2.08



A morte que me matou
foi à traição.
Sem avisar.
Esventrando-me a existência
dos poemas que fazia
com raiva de cão.

A morte que me matou
não tem sentido.
Fez-me perder o rasto do caminho
e as palavras
que da boca com que ria,
dizer já não consigo

De seguidas luas e noites
não sei dos trilhos onde passou.
Caíram-se-me os abismos.
Quebraram-se-me os vidros
e as portas abertas dos meus muros.
Apenas sei que foi dela a morte que me matou.

27.1.08



O paladar dos (dis)sabores

Um destes dias, ao entrar no vão da escada do prédio onde agora moro (mudei de casa) pressenti um aroma familiar nos primeiros degraus. Quase que posso dizer que estive muito perto do que perdi recentemente. Mesmo ali, ao estender da chave nova que trazia numa das mãos, e senti que as interligações com o imaginário podem fazer sentido.

O cheirinho que irmanava da refeição a confeccionar naquele rés-do-chão, era o dela. O modo e o trato com que se cozinham alimentos eram iguais, e pensei; “estás a passar-te!”
Mas não. Passei foi o resto dessa noite a tentar imaginar o que poderá ser o futuro que não tenho neste 1.º andar onde agora vivo . A pensar no que vai ser a vida de mais uma neta que vou ter. Nas melhoras da minha velha mãe. Nos filhos. Nos outros, a quem trato por amigos, e me vou cruzando esporadicamente por aqui.

Julgo ter aprendido saber que nada sei. E de certezas, ninguém pode afirmar que as tem todas. No entanto, ensinaram-me que determinadas coisas que acontecem na nossa própria vida fazem com que as sensibilidades se tornem mais apuradas. E continuo a lavar-me em mágoas que não consigo evitar, e que jorram do local que dá mais no sítio de onde se pode ver o mundo. Umas, límpidas e joviais pelo sucesso e alegrias de gente com que me acostumei a conviver (a lista, felizmente, era enorme). Outras, são de saudades que o caminho para a velhice molda este pensar. O andar de modo diferente, com os olhos cabisbaixos, à procura do que já não se encontra em qualquer esquina. Um filme que passa em quinze segundos sem intervalo e sem aquela publicidade que arrelia.

De qualquer modo, continuo a recusar-me sequer imaginar que o Livro da minha vida acaba aqui. Mas, por outro lado, sinto que não consigo libertar-me de tal castigo. Parece que criei raízes onde a terra já não dá nada para crescer. Que já não oiço o que o meu Mar murmura, e que as rosas que apanhava para oferecer daquele jardim, sumiram. Ou até aquela Lua que tão bem conheço, se cansou de aparecer à janela onde dormia.

Talvez seja do quarto novo. Ou da coberta onde me enrosco de noites sem ninguém.
Pode ser até das coisas novas a que não estou acostumado. Talvez seja do paladar dos dissabores…