17.11.06



Uma coisa chamada blog

Hoje, ao ouvir os Sinais de Fernando Alves na TSF (às 17:52), dei comigo a pensar que o homem é bruxo ou eu sou um grandessíssimo plagiador. Eu explico.
Ontem, já noitinha, vindo para o aconchego deste lar que nos acolhe, optei por dar uma olhadela nos blogs antes de enroscar o meu cansaço, ao lado dum corpo ainda mais cansado da labuta. Para meu espanto e tristeza verifiquei que não tinha acesso à Internet. Logo na altura que tinha em mente uma crónica adúltera, estranhamente explicável ao ser comum, muito parecida com uma outra que escrevi faz anos cujo título era o que acima se descreve.

Num primeiro olhar pelos cabos e outros truques que eu cá sei, não consegui que a máquina arrancasse. Mesmo que me esforçasse a inventar estratégias que podiam fazer inveja à Microsoft.
Como àquela hora os técnicos do Apoio Técnico deviam já ter puxado para cima os cobertores, fui deitar-me debruçado sobre a ideia. Para que quando me devolvessem o meu mundo, pudesse então dar largas às fantasias reais que algumas vezes assolam o espírito de qualquer blogger que se preze.

Do rascunho que tinha delineado fiz um triplo no meu velhinho caixote que, enganadoramente, chamo do lixo.
As palavras amarrotadas que por lá ficaram até à recolha, nunca poderiam ser as mesmas que aquele enorme e ilustre comunicador de imprensa e rádio deu às suas mas a sensação daquela madrugada foi a mesma com que, finalmente, adormeci.

11.11.06



O Verão de S. Martinho está a ser aqui! Sábado. Na hora que der mais jeito.



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Para começar vai ser assim. Em Mangualde, terra de gente nobre e cativa, cantava-se:

“No dia de S. Martinho
Rabusca o teu soitinho
Faz o teu magustinho
Encerta o teu pipinho”


Daí, três coisas são primordiais para se ter uma noção mais completa do evento: conhecer S. Martinho, saborear castanhas e beber numa malga a água-pé. O resto é fado e festa e povo nas tradições seculares.
Para isso ser presente, eis um excelente trabalho de Manuela Ramos sobre o Santo.
Noutro apontamento, conheçamos melhor a castanha e as relações que mantêm com a cozinha tradicional portuguesa e a sua pequena história. Por fim, a água-pé. Esse derivado vinícola que faz as delícias ao magusto e acompanha as Festas pelas mais variadas zonas do país. Desde Marvão a Sernancelhe. De Estremoz ao arquipélago da Madeira ou até em Terra Chã, Angra do Heroísmo. Dos bairros típicos de Lisboa até Vinhais, onde está previsto um megamagusto para mais de sete mil pessoas no maior assador de castanhas do mundo. Quem sabe se na sua própria casa, onde o costume é tradição, não tem histórias de fogueiras e magustos p'ra contar. Talvez não como esta malta que adora o São Martinho, mas de outra forma que nos faça sentir origens. Quer contar a sua?

"Quentes e boas!..."


Boas e quentinhas, pedem vinho novo, barriguinha amparada ao balcão, copinho embevecendo o olhar - a postura típica do... "em flagrante delitro", como escreveu Fernando Pessoa sobre o próprio.
(artigo de Alfredo Mendes, jornalista do DN)


Fernando Pessoa na adega de Abel Pereira da Fonseca, em 1929.
Fotografia enviada pelo próprio a Ophelia Queiroz com a inscrição: «Fernando Pessoa em flagrante delitro».
Provavelmente acompanhado à guitarra e à viola na imprescindível voz de Hermínia Silva.


Gentileza d'A Minha Rádio ponto com


Tempo de Poesia


Os pequenotes da Escola de Ovar.


O Vendedor de Castanhas

Numa tarde chuvosa neste Porto
No Outono frio ventoso e cinzento
Um homem vende doses de calor
Em folhas de jornal velho embrulhadas

No pedaço de papel o conforto
Do bom petisco assado no momento
P’la perícia do vendedor
A preparar as castanhas assadas

Diz-me velho vendedor de castanhas
Que já fazes parte desta cidade
Nos dias frios que só tu entendes!


Quanto é mesmo aquilo que tu ganhas
Com o meu sorrir de felicidade
Ao comer com prazer o que tu vendes?


De João Natal, in Poetry Café


Efemérides de S. Martinho

Didas, a própria. Fez três anos que nos atura e vice-versa, e até parece que sempre nos conhecemos. Mesmo sem comermos castanhas juntos ou brindar com um copo de água-pé, registamos os Parabéns por tal ventura.


Do outro lado do mar também há castanhas

Cora Rónai é jornalista, editora e autora de livros e peças de teatro para crianças. Fotógrafa. Crítica. Blogger. Defensora acérrima do “seu” Rio de Janeiro, do meio-ambiente e dos animais. Senhoras e senhores, rabiscos do sítio dela:

"Vocês sabem como nascem as castanhas portuguesas? Em ouriços verdes, que crescem numas árvores lindas, frondosas e esparramadas. Quando esses ouriços ficam maduros, caem no chão e são colhidos. Às vezes já estão abertos, o que torna relativamente fácil soltar as castanhas; quando fechados, só com expedientes variados -- luvas de couro, instrumentos de jardinagem, pedras. Vale tudo para libertar as castanhas da sua competente armadura.

Imagino que numa plantação profissional existam ferramentas apropriadas e precisas ara a tarefa, mas no sítio temos apenas dois castanheiros, plantados há 40 anos pelos meus pais, e que, mais ou menos por esta época do ano, gentilmente produzem as castanhas de que precisamos.

Os castanheiros foram presente do Mr. Smith, o vizinho inglês, único habitante da região quando o sítio foi construído, em princípio dos anos 60. São árvores voluntariosas, que não crescem como ou onde a gente quer, mas como lhes dá na telha. Não adianta plantar as sementes. Nada acontece. Mas por baixo dos castanheiros crescidos aparecem, volta e meia, umas mudinhas que, eventualmente, podem ser transplantadas. Assim chegaram as plantinhas pequenas nas latas do Mr. Smith, e assim já saíram daqui tantas outras.

Mr. Smith morreu há anos, seu terreno foi vendido e um novo loteamento cresce ao lado do sítio; o morro em frente, antes deserto, hoje é um mar de luzes. Apesar disso o céu continua cheio de estrelas e os castanheiros seguem, ano após ano, seu destino de árvores bem amadas, enchendo o gramado de ouriços."

Festa rija
Falar de S. Martinho sem referir a Golegã é um pecado quase mortal.
As suas ruas nestes tempos estão cheias de cavaleiros e de amazonas. De charretes e outros carros de tracção animal. Mesmo os burricos que por lá se vão vendo ajudam a compor a emblemática feira que tem o mundo equestre como mote. No Largo do Arneiro, o coração da Vila, uma dúzia de cavaleiros percorrem o espaço nas calmas. Alguns cavaleiros envergam trajes de gala, com camisa branca, casaco apertado pela cintura, chapéus de aba larga, botas de cabedal. Outros circulam mais desportivos com calças de ganga e camisas de xadrez onde o chamamento da castanha assada faz sentido.
Acredita-se que ainda lá não fui?

(fonte Espigueiro e aproveitamento musical do meu amigo e saudoso Fernando Campos)



Crónicas de província


Subir a um Castanea não é fácil. Muito mais difícil é saltar dele. No entanto, lembro-me bem que em garoto era o maior desafio que os putos idos de Lisboa ao Minho tinham que enfrentar. Qual carro de bois, tosquia de ovelhas ou pisar as uvas em pé descalço nas vindimas!? Ir ao tojo e ouvir os lobos junto a um riacho de água límpida era soberbo, mas saltar dum castanheiro era o maior rappel daquela altura.
As frondosas galhas aparavam-nos a queda. Os aparatosos gritos das nossas mães em pulgas era o nosso prémio.
Ainda hoje, se não estivesse já c’os copos, atirava-me de um que ainda deve lá morar.
Coisas de putos. Que mantenho vivas até que a queda seja fatal.



Gostava de ter aqui a Aldina a cantar, o Zé Fanha a declamar, e todos os poetas e artistas desta vida que é só nossa em redor da mesa posta que entendemos como farta.
Foi o que consegui mostrar no S. Martinho, mas Portugal tem coisas ainda melhores.

Bom fim-de-semana!