10.12.04



A minha árvore de Natal deste ano não tem cor!
Foi feita, apenas e só, para os meninos da rua que eu conheço.
Colocada a um canto do meu mundo, não tem presentes e, no lugar das fantasias, são visíveis amargas recordações duma vida constantemente injustiçada.
Fruto duma visão de sofrimento e dor, de abandono e tristeza, que abrange todos aqueles que sofrem na pele o dia-a-dia que vivemos.

É Natal!, dizem-me. Eu sei muito bem que é Natal.
E para os meninos da rua que eu conheço, estão a comprová-lo as mil e uma mensagens dum amor e carinho hipócrita que ouviremos todos estes dias. Se não chegasse, bastaria olhar os milhões de calendários coloridos que aceleram os anos, e reconhecer nos jardins deste país os presépios feitos de luzes que não brilham e apenas estão por ali.

Mas para quem está habituado a sofrer os dias pardos da desventura e da desgraça, da fome e da solidão, do esquecimento a que são votados nas horas sempre iguais, é apenas mais um ciclo destes últimos quinze dias que custam a passar. É apenas o olhar para um amanhã sem soluções. São as realidades deste espelho retardado que se conseguem vislumbrar em amargura e desencanto em quem nunca conseguiu alcançar o que deseja e a que tem direito.
É neste meu mundo que vivem os meninos da rua que eu conheço.

Nestes meninos da rua que eu conheço, há em cada história pessoal uma tragédia que se esconde. Há em cada silêncio consentido, uma revolta amarga e negra que não se consegue perceber. Existe em cada rosto imberbe de criança, uma expressão azeda e ferida de ilusões e de tormentos. De sonhos perdidos e desfeitos. De rugas que escondem as horas, os dias, os anos, a que conseguem sobreviver.

São estes os meninos da rua que eu conheço, muitos deles já crescidos, que melhor entendem o destino ao qual estão vinculados e a que é impossível fugir. Por cada um dos seus olhares, vagos e perdidos, destes meninos da rua que eu conheço, perfila o lado triste de quem morre de frio a cada esquina. Cada um deles apenas a mostrar o futuro incerto que se conta e se transmite. Feito de nostalgia e fé. Por vezes, recheados de sonhos quebrados para um dia que eles sabem não ter amanhã. Ténue e vazio como a própria quadra que se festeja.

Daí que, na minha árvore de Natal deste ano, apenas haja espaço para os que se encontram isolados e tristes. Para os que da fome e da escassez fazem a fartura de nada possuírem. Para aqueles a quem mais um pouco de carinho e de atenção bastaria para esquecer toda uma vida sem sentido.
Por isso, não façam do meu silêncio uma obrigação de cobardia. Por isso, não me obriguem a mudar a cor à minha árvore de Natal. E se por milagre ou ilusão, arte mágica ou fantasia, as cores se alterem ou apareçam, ao menos que seja para os meninos da rua que eu conheço.

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