26.9.04



Faz tempo que não vou à praça.
Vai ser hoje!

A ida à praça, uma expressão popular portuguesa tão em desuso, é uma enriquecedora viagem às nossas tradições mais profundas e emblemáticas.
Iniciando, com passo lento, logo à entrada, a visão e o olfacto são espicaçados pelas cores diversas dos frutos e legumes dando ao ambiente aquele cheirinho tão agradável de tudo quanto é fresco.

Um odor característico invade toda a minha memória de menino.
As vendedeiras, com aventais garridos e de idade avançada, recordam-me as varinas do meu tempo desenhadas nas sombras do Tejo percorrendo as ruas da zona do Cais do Sodré onde eu brincava.
Os pregões foram substituídos por pedaços de cartão com preço afixado em gatafunhos do tempo da não escolaridade obrigatória e não há quem grite “ó viva da costa” nem “quem quer figos, quem quer almoçar”. O velho escudo deu lugar ao euro dando uma imagem europeísta que não se tem na “ida à praça”. Podem continuar a mudar o sistema, mas nunca mudarão as características singulares dum povo mercador por natureza.

Infelizmente, mantêm-se os pedintes. Agora, dolorosamente acrescentados, por gentes ainda mais pobres oriundos sabe-se lá de onde. Nas balanças pesam-se peras Rocha e laranja Dalmau não se sabendo, exactamente, se a proveniência continua ribatejana ou do Alentejo, fazendo esquecer aquelas gentes que vivem dias conturbados. As maçãs vermelhas do hemisfério sul abundam e vincam a concorrência existente com a comunidade europeia. Proliferam nomes de produtos a que ninguém passa cartão: Smith, Royal ou Gala são exemplos. Navel, Comice, Encore ou Ortanic não aquece nem arrefece. O que importa é comprar pelo mínimo custo tudo o que se puder, de superior qualidade.

Numa ida à praça, encontra-se de tudo: óculos de sol que já tivemos, gravatas listradas que ninguém usa, brinquedos com defeito que ninguém quer e fatos-macaco de zuzarte ou de caqui. Porcelanas da Índia, discos antigos, relógios-de-cuco e rolhas de cortiça. Descobrem-se tasquinhas feitas à mão onde se bebe morangueiro, amigos que já não víamos e a quem convidamos para almoçar, e o prazer de estar junto a este povo extraordinário sem blog para contar histórias já esquecidas.
Só não vi os costumeiros beijoqueiros dos políticos em campanha, nem a Rosinha. A dos limões.

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