17.8.03



Estou a ficar senil

Todos nós nos sentimos diferentes dos outros mesmo que juremos a pés juntos “todos diferentes todos iguais”.
Eu sou assim, eu nasci assim... (era caso para acrescentar, Gabrieela...)
Bom, mas passemos em frente.
Começo a trabalhar a um sábado, o que me deixa absolutamente convencido da razão opinativa acima descrita. Continuo ao domingo por que o raio do trabalho dignifica a atitude em prol da prática social que assim o exige.
E nem sequer sou bombeiro.
Mas esta coisa dos blogs está a dar conta de mim. Já sabia que “navegar” altera hábitos, comportamentos e cansa a vista. O que nunca pensei que acontecesse foi o de imaginar, no contacto diário que tenho com o público em geral, dar por mim a magicar no seguinte:
- Bom dia.
- Bom dia, minha senhora. Faça favor...
- Olhe, é assim: tenho um vasta colecção de Camilo Castelo Branco para arranjar (aqui deveria dizer-se encadernar) e queria saber quanto é que o senhor me leva.
- Minha estimada senhora, eu de momento estou demasiado atarefado para levar o que quer que seja, mas no entanto V. Exª fará o favor (aqui parecia quase o Camacho, que Deus tenha) de me dizer a editora da sua colecção para ter em conta qual a encadernação que mais se justifica para a referida obra.
- Isso é assim tão relevante?
- Minha senhora depende também do local onde pretende arrumar os ditos livrinhos. Terá, assaz, uma biblioteca pessoal com uma estante de mogno, ou pretenderá apenas, e somente, colocá-los direitinhos num desses utensílios arrumatórios do AKI?

E o diálogo continuou, continuou, continuou.
Afinal o que a senhora queria era apenas embelezar a sala onde vai colocar um novo computador.
E aí pensei: será que esta madame também tem um blog?
Quando é hora de almoço nunca vou a tempo certo ao restaurante do Abel, em Alfama. Come-se bem, não é caro e vê-se pessoas diferentes. E é aí que dou por mim e matutar analíticamente na forma de expressão em cada um que não conheço.
Ali ao canto está um gajo de óculinhos com aros de tartaruga, o Público ao lado e mais uma pasta com recortes, a comer um bitoque. Imagino logo,: o gajo tem um blog sobre jornalismo.
Nos transportes públicos é a mesma coisa. “Aquela tipa podia ser muito bem a Zazie. Bem nutrida, bochechinhas carnudas e um cabelo preto giríssimo a cair-lhe sobre as as costas”.
Ou um cota com o New York Times debaixo do braço, sentado na rectaguarda do autocarro a olhar distante pela suja janela do seu lado horizontes que só ele poderia descrever. Este bloguês é naturalmente virado para a crítica, qual será o blog dele?
E no barco? (moro no Seixal) Quantos observo, que de tanto ler blogs, logo os identifico como que se fossem o Critico ou o Pedro F ou o Pipi.
As miúdas é que me levam à séria. Quantas vezes imaginei estar no mesmo local com a Tania, a Sara, a Inês Amaral. Saber de perto que aquela pequena de cabelo ruivo com franja loira é a Titas. Que a jovem sardenta de andar calmo e alongado mas sem pressas será a Isabel. Outra ali, mais furtiva será a Papoila?
Ou seria Helena?
Ou isto será a imbecilidade a apoderar-se de mim? Ou a doença, elegadamente hereditária do meu Avô que me constrange e me disforma?
Tenho que ir ao médico!

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