6.1.04



Venturas de Infância (em Dia de Reis)

Quando eu era pequeno, a infância (e mergulho fundo na minha infância) , esse grande território de onde todos saímos, era um Mundo ! Pois de onde sou eu ? “Sou da minha infância como se é de um país...”, escrevia Saint-Exupéry numa das suas obras: O Piloto de Guerra. Todos, realmente, comprovamos isto diariamente. O nosso mundo interior está povoado de imagens e recordações, muitas vezes nebulosas, que têm origem nos anos da nossa juventude. Em muitas ocasiões, temos, até, de recuar a essas épocas da nossa vida para compreendermos certas atitudes, hábitos, reacções, gostos, que fazem parte da nossa maneira de existir.
E aqui entram os nossos heróis. Cada qual com o seu tempo e com o seu espaço. Sou do tempo do Fúria e da Lassie. Li as histórias de cow-boys de Kit Carson e Bill the Kid. Armei-me em Zorro e em Tarzan. Quis ser Robbin dos Bosques e ter a poção mágica do Astérix. Passeei em França com Tin-Tin e ia ao Brasil com o Tio Patinhas mais aquela malta toda do Walt Disney. Vi os filmes do Bonanza, do Rim-Tim-Tim e diverti-me imenso com Mr. Ed, o cavalo que falava. Havia até uma maneira razoável de comer legumes: imitar o Popeye comendo tudo o que era verde parecendo serem espinafres.
Um pouco mais tarde, com a escolaridade mais avançada, aventurava-me com D. Quixote e ia à Lua com Verne descobrindo novos mundos e novas gentes. Conheci meninos pobres com Dickens e Dostoievski, amei com D.H. Lawrence as donzelas dos seus livros, e tornei-me Corsário por volta dos doze e andava à espadeirada como se dos Três Mosqueteiros fizesse parte. Sem antes, ter todos os cromos da bola e ainda ser do tempo do Benfica europeu.
Tempos bons esses do berlinde e do pião. Do arco e dos carrinhos de esferas construídos por nós próprios.
Lembro-me, e nisso fui privilegiado no tempo, do primeiro filme na minha primeira televisão: O Ivanhoe. Agora somos o que somos mais tudo aquilo por que passamos.
Em tempos idos dizia-se da Cultura que era tudo o que nos restava depois de ter-mos esquecido tudo o que aprendemos. Talvez fosse. Até ao momento em que apareceram os blogs, estes desnaturados que me fazem engordar.


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